Filósofo autodidacta, como o classificou António Telmo, certamente Jesué Pinharanda Gomes (1939-2019) o foi e bastante mais ainda. Decerto todas as denominações da sua prolífera actividade seriam redundantes e superficiais, além de soarem a bajulação importuna, nem muito menos serem sequer abundantes para o descrever, tendo em conta a totalidade do que representou e fez.
O facto é apenas que a obra que o autor beirão escreveu fala por si. Sem abusos e erros, cremos nós, Pinharanda Gomes editou mais de 4 dezenas de obras que abrangem temas diversos e abarcantes de monografias, ensaios de investigação, hermenêutica, divulgação cultural, numerosas colaborações, várias divulgações bibliográficas e ainda escritos sobre áreas múltiplas da filosofia à teologia, passando pela história ou pela etnografia ou, por fim mas não menos importante, a sua exímia atenção entregue ao pensamento português, do qual foi representante no grupo de discípulos de José Marinho e Álvaro Ribeiro. O filósofo português foi ainda tradutor de Platão, Aristóteles, Heidegger, entre muitos outros, como se a sua extensa obra não nos deixasse previamente espantados.
Os portugueses devem-lhe detalhados estudos sobre os célebres Templários e outras Ordens Religiosas em Portugal, − como a Cartuxa e a Ordem do Carmo − e em acréscimo, uma dedicação intensa no processo de canonização de Nuno Álvares Pereira, nobre herói do medievo português.
Certamente no destaque das suas obras mais relevantes consta “História da Filosofia Portuguesa” editada em 3 volumes, cada qual dedicado respectivamente às tradições da filosofia hebraica, cristã e arábica; e na presença destas em Portugal – ou mesmo antes de Portugal sequer existir −, escritas com profundo rigor e detalhe de análise, mais ainda com séria descrição dos ilustres cultores das 3 grandes religiões neste território geográfico. Esta seria, talvez, apenas uma das obras de que só Pinharanda Gomes era competente para se dedicar em tão imenso trabalho interpretativo e de investigação, investigação essa que responde a uma questão fundamental: de que modo foram pensadas e o que pensaram as 3 religiões abraâmicas em Portugal?
Deixa-nos ainda mais surpresos constatar que os volumes de “História da Filosofia Portuguesa” sejam de autoria de alguém que não era estimado na Academia, sem muito menos ter frequentado a universidade. Este insigne pensador e historiógrafo da cultura portuguesa não se afectava pelas formalidades do ensino superior e o seu estudo e trabalho intelectual era realizado com independência autónoma, muitas vezes feito em permanência constante na Biblioteca Nacional.
Como vasto contributo a Portugal patente na sua obra, não se deixou influenciar pelas opiniões adversas dos restantes quadros da intelectualidade portuguesa, não se inibindo de produzir estudos, por exemplo, sobre filosofia grega pré-socrática, a concordância plena entre a teologia e a filosofia e um outro célebre livro intitulado “Meditações Lusíadas”. Exemplo da excelência da sua obra é similarmente “Pensamento Português” e “Dicionário de Filosofia Portuguesa”.
Viria a ser reconhecido institucionalmente, como penhor do seu valor intelectual, com o Doutoramento Honoris Causa atribuído pela Universidade da Beira Interior que, no nosso entendimento, só errou por retardada atribuição.
Firme das suas ideias, homem de piedosa fé católica e amante defensor da pátria, o impulso espiritual de Pinharanda Gomes não se extinguiria senão com o seu desaparecimento. Afirma o testemunho de quem pessoalmente o conheceu, o pensador natural de Quadrazais era um homem generoso, com probidade, encarnado de genuína modéstia e de valiosa estima pelas suas referências e amigos, sem esquecermos o importante papel pedagógico que exerceu com as gerações que o seguiram. Era, essencialmente, um ser de verdadeira e singular bondade.
Intelectual comum participante de vários colóquios e conferências votados à indagação de temas filosóficos, religiosos e históricos, – nos quais terá participado centenas de vezes −, qualquer português minimamente civilizado lhe deve estima e respeito, recordando-o na sua memória colectiva. Sem ele, toda a cultura lusófona (e principalmente a do séc. XX) ficaria muitíssimo indigente. Incumbe-nos grande consideração e reverência. Pinharanda Gomes entregou tudo sem pedir nada em troca.
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