Theodore Kaczynski (1942-2023), também conhecido como o “Unabomber”, foi um matemático, um autor, um fora-da-lei, um homicida, um naturalista vagabundo, um terrorista. Ele foi um Walden do C4, a verdadeira escatologia da louca experiência americana. O conhecido “Unabomber” foi apanhado mediante uma pesquisa policial do seu manifesto “A Sociedade Industrial e o seu Futuro”1. Esta é a obra que analisaremos nas próximas linhas. Kaczynski, enquanto foragido da lei e auto-ostracizado em cenários bucólicos e distantes das florestas americanas, escreve este pequeno manifesto, que hoje é considerado sacrossanto por alguns dissidentes cronicamente online que desejariam estar a pisar relva em vez de postar em fóruns obscuros. Não querendo discorrer sobre detalhes biográficos do autor, achamos importante dizer, antes da análise à obra em si, que as suas palavras aliadas às acções criaram um ressurgimento dos “neo-luditas” e de outras formulações de adoração do natural em gerações mais novas que ironicamente cresceram com todos os confortos (e desconfortos) da própria tecnologia. Não desejamos com esta crítica alienar as suas posições, que viram resposta na figura de Kaczynski. Esta é uma reacção, e algo justificada, que já ecoou ao longo da história, inclusive no chamado movimento Völkisch, filho da revolução conservadora germânica. Mas é vista também no Pan do prémio nobel Knut Hamsun, nos desejos dos românticos de paisagens e retornos, nas caminhadas de Rousseau. Este desejo que impele o Homem à natureza é… natural, e revestido de sentido. Eu próprio o senti enquanto escutava o seu audio-book pela internet. Citando Oswald Spengler, na nossa opinião, um crítico muito mais contundente à questão da técnica:
Está a propagar-se uma lassitude, uma espécie de pacifismo na luta contra a Natureza. Os homens viram-se para modos de vida mais simples e próximos da Natureza; consagram mais tempo aos desportos que às experiências técnicas […] voltam […] as costas aos problemas práticos das ciências, para se lançarem na especulação pura. O ocultismo e o espiritismo, as filosofias hindus, a curiosidade metafísica oculta em manto cristão ou pagão, que ao tempo de Darwin não passavam de objectos a desprezar, ressurgem agora. Esta era a índole de Roma no século de Augusto. Desgostosos da vida, os homens afastam-se da civilização […].
(Spengler, 1993, p. 113)
Retornando à obra em questão, gostaríamos de começar por abordar aquelas que são as suas maiores falhas:
Psicologiza o adversário
Da mesma forma que temos, à esquerda, Adorno a criar criptofascismos nas pessoas que fazem coisas absolutamente banais ou o Reich a patologizar (e sexualizar) as posições dos seus adversários políticos, Kaczynski faz a mesmíssima coisa. Independentemente destas observações estarem correctas ou não, são generalizações que reduzem o próximo ao absurdo, não engajam os seus argumentos, os seus problemas filósoficos ou projectos políticos. Ad hominem2 não deve substituir uma honesta crítica ao real. Chegamos a ridículo de ter um autor que sendo um claro descendente de uma certa visão esquerdista, quando aplicados os padrões iluministas e a sua adoração pela liberdade, fica capítulos a falar das incapacidades psicológicas dos sedentos esquerdistas. Um radical misantropo, que se afastou por completo de todos os seres humanos, a falar de como os seus adversários políticos são psicológica e socialmente inadequados. O mesmo homem que foi diagnosticado com esquizofrenia paranóica. Entendemos uma natural extensão da acusação de hipocrisia ao nosso texto neste momento, porque estendemos algo como um ataque ao homem.
Um autor egoísta
Em sua defesa, Kaczynski é inteligente e encontra várias críticas válidas ao longo do seu manifesto, mas é também profundamente arrogante, e o seu pecado é a soberba. “O sistema”, como nos diz o autor, é disfuncional… para ele. Ele não se consegue colocar numa posição em que o inimigo ganhe, em que “O sistema” funcione, em que haja pessoas com algum contentamento e que necessitem de ser convencidas por ele. Em nenhuma altura ele nos tenta convencer, porque ele sabe que o seu leitor provavelmente já concorda com ele ou pelo menos lê puramente de uma curiosidade mórbida. Infelizmente, não conseguimos encontrar o seu esforço.
Idolatra a liberdade como qualquer pensador americano
Kaczynski é um liberal, ou seja, um esquerdista (como tão raivosamente criticaria), e não o entende. Para uma posição do reaccionarismo americano, o unabomber serve, mas para aqueles que querem entender como o mundo funciona e ler trabalhos mais profundos, há muito melhores autores dessa esfera fora do continente da liberdade – Maistre, por exemplo. Sobre o próprio conceito de liberdade, este é claramente teológico em Kaczynski. É abstracto, como o próprio admite, e ameaçada pelos processos tecnológicos… mas o autor nunca nos explica exactamente o que ela é, para que serve, porque deve ser protegida, porque é que é melhor do que a tecnologia e o “Sistema” (outro conceito vago que Kaczynski tende a não explorar de forma mais concreta e a delimitar). Não há explicação porque é dogma, é dogma porque é adorada e incompreendida. Kaczynski era o tipo de homem que adorava tanto a liberdade que se ostracizava do resto da sociedade3 e fez tudo para ser preso até ao fim da vida. À direita dele podemos estender a simples questão: porque é que a liberdade é tão importante?
Ficamos com a impressão que só é lido por ser um ínfame meme; aconselhamos o leitor a procurar obras mais clássicas. Dito isto, nem tudo é mau, algumas críticas são exploradas a partir de intuições muito inteligentes e sólidas. Diria apenas que apesar de não ser pior, está também longe de ser um grande autor. Se é medíocre, num certo sentido, porque é que o abordamos de todo? Porque o seu estatuto de herói folk em circuitos dissidentes online nos impele a abordar a obra de forma séria, porque demasiados jovens impressionáveis são levados a estas ideias (que podem estar certas ou erradas) pelo caminho errado. Num mundo com Heidegger e Spengler, não precisamos do “Unabomber” para uma crítica da tecnologia. Num mundo com Pentti Linkola, que necessidade temos para os asteriscos ambientais de Kaczynski? Afastemo-nos do imaturo e atabalhoado Theodore Kaczynski.
Referências
Kaczynski, T. (1995). Industrial Society and Its Future: The Unabomber Manifesto.
Spengler, O. (1993). O Homem e a Técnica (2a Edição). Guimarães Editores.
- (Kaczynski, 1995) ↩︎
- Isto não significa que nunca se deva utilizar, como o brilhante caso de Chesterton contra Nietzsche, apenas que a utilização de um ataque Ad Hominem geralmente não combate o problema fundamental, que são as ideias apresentadas. ↩︎
- Ou seja, a forma grega de se negar a liberdade, o afastá-lo do Homem. ↩︎
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