O Mundo Multipolar baseia-se na premissa de grandes espaços autárquicos, mas cooperantes, que se contrapõem ao mundo unipolar liderado pelos EUA e que nasceu com a queda do Muro do Berlim. O Médio Oriente, com a sua riqueza em hidrocarbonetos e posição estratégica no controlo do Golfo Pérsico e do Mar Vermelho, que, através do Canal do Suez, dá acesso ao Mar Mediterrâneo, é desde há muito tempo palco de disputas pelas potências mundiais. Se após o colapso do Império Otomano, foram a Inglaterra e a França a tomar o papel de potências directoras daquela região, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a crescente perda de influência por parte dos países europeus nos palcos internacionais, foram os EUA e URSS os países que tomaram esse lugar. Os EUA trataram de assegurar acordos vantajosos com países como a Pérsia, a Arábia Saudita ou o Iraque para exploração dos recursos energéticos desses países, enquanto a URSS também foi conseguindo aliados naquela zona, nomeadamente na Síria, no Egipto, nas organizações marxistas da resistência palestiniana e num Iraque que habilmente atraía e disputava as atenções das duas superpotências.
A queda do regime do Xá em 1979, através da Revolução Iraniana dirigida por Khomeini, marcou o nascimento de algo novo. Um regime teocrático islâmico, teoricamente hostil quer ao Ocidente liberal e capitalista, quanto ao Bloco de Leste, ateu e comunista, e que iniciava um período de forte hostilidade contra os EUA, até por motivos históricos, visto que o regime repressivo do Xá tinha sido financiado, armado e apoiado por Washington. Por outro lado, os EUA, que viam o Estado israelita nascido em 1948 como uma barreira à expansão do comunismo no Médio Oriente, tornaram-se rapidamente no seu maior apoiante em dinheiro, armas e diplomacia, desempenhando um papel fulcral nas três grandes guerras internacionais em que Israel esteve envolvido no século XX. Quanto ao novo regime iraniano, Saddam Hussein pensou que iria aproveitar o caos e a instabilidade da mudança governativa em Teerão para obter ganhos territoriais, mas enganou-se, e o Irão e o Iraque envolveram-se numa longa guerra, em que, mais uma vez, as potências externas beneficiaram com a venda de armas e com projectos económicos e industriais milionários. Esta guerra ajudou o regime de Saddam Hussein a desenvolver projectos de armas de destruição em massa e a aumentar exponencialmente o poderio das suas forças armadas, tornando-se sem dúvida uma potência regional, e servindo de freio, assim criam os países ocidentais, ao expansionismo proselitista do novo regime teocrático iraniano, que Khomeini teria delineado segundo inspiração extraída d’A República de Platão. Não lhe faltavam, portanto, um rei-filósofo, na figura do Líder Supremo, um conselho de sábios, sob a forma da Assembleia dos Peritos, e uma espécie de casta guerreira, sob a forma do Exército de Guardiães da Revolução Islâmica. Israel sempre viu com temor o poderio militar do Iraque e não hesitou até a desencadear ataques preventivos contra o programa nuclear iraquiano e sabe-se hoje que até vendeu armamento ao Irão durante o conflito entre ambos.
Saddam Hussein, depois de ter conseguido obrigar o Irão a um cessar-fogo, no que foi tecnicamente um empate, mas com vantagem para o lado iraquiano, não perdeu os seus desejos de expansão territorial, e poucos anos depois desencadeava nova ofensiva, contra o seu pequeno vizinho do Sul, o Koweit. Sabemos bem o resultado dessa aventura, que acabou por devastar o Iraque, levar a várias guerras de alta intensidade contra o mesmo, e à derrocada do regime iraquiano, ficando o país sob ocupação americana durante largos anos. Entretanto, já o mundo estava a mudar. Os árabes e muçulmanos afastavam-se política e ideologicamente do Ocidente e da URSS, e na Ásia Central, a vitória dos mujahidin afegãos sobre a URSS, inspirava movimentos teocráticos em vários países árabes.
A derrocada do regime de Saddam Hussein, que culminou com a sua captura em Dezembro de 2003 e posterior condenação à morte pelas novas autoridades iraquianas, foi um erro estratégico dos EUA. Washington já deveria saber que a única forma de manter alguma influência política sobre o Médio Oriente, é com o apoio a regimes laicos, ainda que autoritários, já que os regimes teocráticos querem distância dos EUA, ou apenas os usam como aliados temporários. O regime de Bagdad, era controlado pela minoria sunita do Iraque, originária em grande parte do chamado triângulo sunita, onde se encontra Tikrit, a cidade natal de Saddam Hussein e forte ponto de resistência à ocupação americana. Para manter o poder e a influência sunita no país, Saddam Hussein governava com mão de ferro, atingindo duramente a minoria curda no Norte do país, até com armas químicas, bem como a maioria xiita no Sul. Com a queda do seu regime, a maioria xiita do Iraque, naturalmente aproximou-se do Irão, com influência crescente no país, e permitiu a Teerão expandir grandemente a sua influência, que se estende hoje do Golfo Pérsico ao Mediterrâneo, com ascendência e poder sobre países etnicamente e religiosamente divididos, como a Síria e o Líbano, com importantes minorias xiitas (incluindo os alauitas que controlam o poder em Damasco). Isto configura uma importante mudança estratégica, maior do que aquela que ocorreu no Médio Oriente com a queda da URSS, vantagem que os EUA não souberam aproveitar, para resolver os conflitos latentes. A expansão da influência de Teerão no Médio Oriente, que além do Iraque, da Síria, do Líbano, alcança também o Iémen, através dos rebeldes Houthis e a Palestina, através do apoio a organizações militantes na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, são um problema muito maior para os EUA do que a influência da URSS naquela região alguma vez foi. A queda do regime iraquiano, levou também à emergência no Iraque de várias organizações armadas da minoria sunita, entre elas o Estado Islâmico, que beneficiaria da inclusão de altas patentes iraquianas nas suas fileiras e da captura de muito armamento pesado dos paióis do Estado iraquiano. Nos anos seguintes à sua criação, o Estado Islâmico seria um Estado de facto, ocupando vastas áreas no Iraque e na Síria e controlando importantes recursos naturais, uma ameaça de grande alcance para a segurança regional e até mundial, com a expansão das suas operações a África e a outros pontos do globo.
Isto conduz-nos aos grandes problemas da região, que esmiuçaremos de seguida: a questão palestiniana, a questão curda e a rivalidade entre sunitas e xiitas, traduzidas nas guerras por procuração entre Riade e Teerão. A questão palestiniana começou a delinear-se durante o Mandato Britânico sobre a Palestina, que durou entre 1920 e 1948, e a crescente imigração judaica para esse território, após o fim da Primeira Guerra Mundial. A Declaração Balfour, de 1917, favorável à criação de um Estado judaico na Palestina, também ajudara a considerar seriamente esses planos. Fundamentada na ideologia sionista nascida no final do século XIX com Theodor Herzl e outros proeminentes judeus na Europa e nos EUA, a ideia de regresso à bíblica Terra Prometida conseguiu um vasto número de adeptos entre as elites judaicas da diáspora e importantes apoios financeiros, que permitiram juntar fundos para a aquisição de vastas áreas de terras na Palestina, iniciando diversas operações privadas de colonização do território, quase sempre em detrimento das comunidades árabes palestinianas pré-existentes que, constituídas essencialmente por pastores, agricultores e pescadores, com uma pequena minoria de comerciantes, sobretudo nas cidades costeiras, como Jaffa, não tinham a dinâmica financeira e política para influenciar a Grã-Bretanha. O fim da Segunda Guerra Mundial, veio apressar as discussões sobre a premência de uma pátria para os judeus e desde os anos de 1930 um êxodo quase contínuo tinha-se dado da Europa para a Palestina. Confrontos violentos entre árabes e judeus na Palestina já eram parte do quotidiano e a Grã-Bretanha estava ansiosa por largar aquele barril de pólvora prestes a explodir. Antes da declaração de independência de Israel em 14 de Maio de 1948, as Nações Unidas tinham trabalhado numa resolução que se traduzia numa partição da Palestina entre os judeus e os árabes residentes e que deveria entrar em vigor no fim do Mandato Britânico sobre a Palestina. Jerusalém usufruiria de um estatuto internacional especial, não sendo atribuída a nenhuma das partes. Enquanto a esmagadora maioria dos judeus a viver na Palestina mostrava ser a favor da partição, os árabes eram contra.
O conflito já era generalizado antes da declaração da independência com vários grupos armados árabes e judeus em conflito aberto, mas com a declaração de independência de Israel, vários países e organizações árabes atacaram o novo país. Esse ataque, vindo de diferentes direcções, incluía forças de voluntários árabes, grupos armados palestinianos, o Egipto, a Transjordânia, a Síria, o Iraque, o Líbano, a Arábia Saudita e o Iémen, opondo-se às recém-criadas Forças de Defesa de Israel e a forças minoritárias, incorporando beduínos e drusos. A guerra foi uma vitória estratégica para Israel, que permitiu solidificar e aumentar as fronteiras do novo Estado e, na prática, aumentá-las, enquanto o previsto Estado árabe palestiniano, desaparecia de facto. Começava o grande êxodo dos árabes palestinianos para os países vizinhos, com a destruição física de muitas das suas comunidades. Ao mesmo tempo, os judeus dos países vizinhos de Israel partiam para o novo país. Das terras que não tinham sido anexadas por Israel, a Faixa de Gaza passava para o controlo egípcio e a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, para o controlo jordano, enquanto a Síria conseguia alguns ganhos territoriais na zona em torno do Mar da Galileia.
A Guerra dos Seis Dias, em 1967, em resposta a manobras egípcias na Península do Sinai e no Canal do Suez, foi uma vitória relâmpago de Israel e um desaire militar vergonhoso para os árabes. As tensões entre o Egipto e Israel vinham a agravar-se desde a Crise do Suez, em 1956. Nestes seis dias, Israel desbarata as forças militares do Egipto, da Jordânia, do Iraque e da Síria, que tinham o apoio material e financeiro de outros países árabes ou muçulmanos, como o Koweit, a Líbia, a Argélia, o Sudão, Marrocos, o Paquistão, a Tunísia e a organização armada palestiniana OLP. Israel toma o controlo da Faixa de Gaza e da Península do Sinai ao Egipto, dos Montes Golã à Síria e da Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, à Jordânia. O Egipto tentaria recuperar o controlo da Península do Sinai, com a intervenção de forças da URSS e do apoio da OLP, da Jordânia, da Síria e de Cuba, durante a Guerra de Desgaste entre 1967 e 1970, mas falhou.
Em finais de 1973, o Egipto e a Síria atacaram Israel, no feriado religioso judaico do Yom Kippur. Armados com a mais moderna tecnologia soviética e contando com um amplo apoio de forças expedicionárias estrangeiras, que incluíam unidades sauditas, argelinas, jordanas, iraquianas, líbias, koweitianas, tunisinas, marroquinas, cubanas e norte-coreanas, esperavam uma vitória e a recuperação dos territórios perdidos na Guerra dos Seis Dias. As forças árabes foram de novo derrotadas e Israel, no cômputo geral, ganhou mais território nos Golã e na margem ocidental do Canal do Suez. A derrota mudou bastante o jogo no Médio Oriente. O Egipto começava a convencer-se da sua incapacidade de derrotar militarmente Israel e o presidente Sadat desejava um acordo de paz entre os dois países, o que causou celeuma no mundo árabe. Depois do cessar-fogo com o Egipto e a Síria, os Acordos de Camp David, entre o Egipto e Israel, criaram uma paz duradoura para os dois países, que tem existido desde então, mas levou a que Sadat fosse assassinado em 1981.
A terceira grande derrota militar convencional dos países árabes, em breve levaria à entrada em cena de novos métodos e novos actores. A Jordânia, a Síria e o Líbano tinham grandes comunidades de refugiados palestinianos e a OLP e outras organizações armadas proliferavam aí, onde tinham os seus grandes apoios. A URSS, empenhada a fundo no Afeganistão e que se aproximava do seu ocaso, não podia dar o apoio de outrora à causa palestiniana, e aos seus congéneres marxistas da OLP e ventos de mudança faziam-se sentir, com a emergência de grupos armados fiéis à lei da sharia e orientados por motivações religiosas e étnicas. No Líbano e na Síria encontravam terreno fértil para isso.
O Líbano, etnicamente e religiosamente diverso, estava dividido numa série de minorias religiosas: cerca de 54% de muçulmanos, divididos quase equitativamente entre sunitas e xiitas, cerca de 40% de cristãos, divididos numa pletora de denominações que incluem maronitas (a maior, com cerca de 20% da população do país), ortodoxos gregos, católicos melquitas, protestantes e outros grupos minoritários, como católicos latinos, ortodoxos arménios, católicos arménios, católicos siríacos, ortodoxos siríacos, católicos caldeus, católicos assírios e Ortodoxos Coptas, e cerca de 5% de drusos, devotos de uma religião abraâmica esotérica e unitária, com origens no Islão, mas que já não pode ser considerada parte dele, visto que não segue os cinco pilares do Islão e incorpora elementos de ismaelismo, de gnosticismo, de neoplatonismo e de outras filosofias. Por outro lado, além dos libaneses, o país conta com amplas populações refugiadas de origem síria, palestiniana e iraquiana, além de minorias mais pequenas de arménios, curdos, turcos, assírios, iranianos e alguns milhares de cidadãos de origem europeia, nomeadamente gregos, italianos e franceses. Uma forte diáspora libanesa está espalhada pelo mundo.
Na Síria, o cenário também é de fragmentação étnica e religiosa, com a população dividida entre muçulmanos sunitas, com cerca de 74% da população, alauitas com cerca de 10%, cristãos, com cerca de 10%, drusos com cerca de 3% e muçulmanos xiitas com cerca de 3%. A minoria alauita controla o regime sírio. Em termos étnicos a população divide-se em árabes sírios, com cerca de 80% da população, curdos, com cerca de 10% da população, turcos, com cerca de 5%, assírios, com cerca de 4%, circassianos com cerca de 1,5%, arménios, com cerca de 1% e um conjunto de minorias residuais que inclui albaneses, gregos e tchetchenos. Tal como o Líbano, uma importante diáspora síria, na casa dos milhões, espalhou-se pelo mundo.
Os ataques da OLP contra o Norte de Israel a partir do Sul do Líbano, e o cenário caótico da guerra civil libanesa, um conflito multi-facções, que arriscava ver como vencedores grupos completamente hostis a Israel, levou Tel-Avive a invadir o Líbano em 1978, a Operação Litani, para destruir as bases da OLP no Sul do Líbano, e abrir espaços para uma presença de forças da ONU. Conseguindo os seus objectivos, Israel só se retiraria completamente vinte e dois anos mais tarde. Em 1982, Israel invade de novo em força o Líbano, com apoio de vários exércitos e milícias cristãs libanesas, num novo esforço para destruir a OLP e conseguir o exílio dos seus líderes. Do outro lado, diversas milícias muçulmanas, entre elas um crescente Hezbollah, a OLP de Yasser Arafat, a Síria de Hafaz al-Assad, o Partido Social-Nacionalista Sírio, o Partido Comunista Libanês e o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, além de grupos mais pequenos. O resultado da guerra foi inconclusivo, sendo que a Síria ganhou uma enorme influência sobre a maioria do território libanês, dominando a política e a economia, e Israel controlou o Sul do Líbano, onde, em conjunto com o Exército do Sul do Libano e outras forças cristãs, subjugou as populações locais, maioritariamente xiitas, até à retirada israelita em 2000.
A OLP tinha deixado de ter bases seguras no Líbano e os seus líderes exilavam-se. A guerra civil, que durou entre 1975 e 1990, terminou com uma nova divisão do poder entre muçulmanos e cristãos e o desarmamento de todas as milícias com excepção do Hezbollah. O Hezbollah ia ganhando força e apoios no Sul do Líbano, onde nunca deixou de opor-se de forma violenta à ocupação israelita. Em 2000, com o número de baixas a somar-se e os custos astronómicos associados à ocupação, o governo de Tel-Aviv decidiu-se a cumprir as resoluções da ONU e a sair do Sul do Líbano, mantendo, contudo, posições nas Quintas de Sheeba e nos Montes Golã vizinhos. Entre 2000 e 2006, o Hezbollah, com apoio iraniano e sírio, conduziria uma guerra de baixa-intensidade contra Israel nesta zona. Começaria uma nova fase do conflito israelo-palestiniano, a fase das intifadas.
A Primeira Intifada durou entre 1987 e 1993, como um levantamento espontâneo dos palestinianos, sobretudo dos jovens, que apenas com pedras, fundas ou paus, atacavam a polícia e os soldados nas zonas ocupadas. A liderança da OLP rapidamente procurou tirar dividendos políticos desta situação, mas novas forças emergiam na Palestina, já não seculares e marxistas, mas antes ligadas ao recrudescer de um fundamentalismo islâmico, como o Hamas e a Jihad Islâmica. O cessar-fogo deu-se com a assinatura dos Acordos de Madrid e de Oslo e o reconhecimento pela OLP do Estado de Israel. A Guerra do Golfo tinha enfraquecido a causa palestiniana, pois a liderança da OLP e a Jordânia tinham dado o seu apoio à invasão iraquiana do Koweit. Isso forçou a OLP a um acordo. O acordo seria mais uma vitória para Israel. O principal ponto positivo a favor da Palestina era a negociação da retirada israelita da Faixa de Gaza. A fragmentação da Cisjordânia, com permanência dos colonatos israelitas, colonatos esses cujo número aumentou nos anos seguintes, minavam a possibilidade viável de um Estado palestiniano e deixavam na terra as sementes da violência. A Segunda Intifada ocorreria entre 2000 e 2005, nascendo da frustração do soçobrar dos acordos de paz, das disputas de influência entre a Fatah e o Hamas e pelo falhanço de obter um acordo em Camp David. Alguns milhares de mortos depois, Israel acabou por sufocar a revolta. Começou a construção do Muro da Cisjordânia, deu-se o fim da retirada de Israel da Faixa de Gaza, mas começou o bloqueio total desse território por parte de Israel.
A 12 de Julho de 2006, depois de anos de um conflito de baixa-intensidade, começava uma nova guerra no Líbano, envolvendo Israel e o Hezbollah e alguns grupos menores. Com o apoio massivo do Irão e algum apoio norte-coreano, o Hezbollah tinha-se reforçado, contando com a invasão israelita. O foco da sua estratégia eram operações de guerrilha anti-tanque, o disparo de foguetes contra o Norte de Israel e o uso de uma rede de bunkers resistentes a ataques aéreos. Contando com novos mísseis anti-navio, o Hezbollah atacou e danificou uma corveta da Marinha de Israel. Durando pouco mais de um mês, o conflito foi visto como uma vitória para o Hezbollah, pois forçou Israel a retirar-se com perdas consideráveis em homens e em veículos. Os combatentes libaneses, bem treinados e equipados, não eram comparáveis aos do Hamas ou de outros movimentos palestinianos.
Depois da subida ao poder do Hamas na Faixa de Gaza, o conflito continuou, com diversas operações militares israelitas contra este território, nomeadamente entre 2005-2007, entre 2008 e 2009, em 2012, em 2014 e em 2021. Mas, na Cisjordânia, os confrontos também têm sido omnipresentes. Desde 7 de Outubro de 2023, depois de ataques mortíferos do Hamas contra militares e civis israelitas no Sul de Israel, envolvendo também tomada de reféns, e de uma enorme barragem de foguetes contra o país, uma guerra em larga escala entre Israel o Hamas lavra descontroladamente na Faixa da Gaza. Este conflito já provocou milhares de mortos e de feridos. O Hamas, além de apoio de outras organizações militares palestinianas na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, conta com o apoio do Irão, do Hezbollah e dos Houthis. A 8 de Outubro de 2023, o Hezbollah disparou uma barragem de foguetes contra Israel iniciando uma nova guerra com Israel. O Hezbollah recebe o apoio de outros grupos libaneses, também sunitas e do Irão e da Síria, além da participação de dois grupos pró-iranianos, a Frente para a Libertação dos Golã na Síria e a Resistência Islâmica no Iraque, neste país. Aguarda-se ainda o desfecho destes dois conflitos.
A questão curda é outra difícil de resolver e que de tempos a tempos reemerge. Os curdos, são um povo iraniano, descendente dos indo-iranianos, dividido entre quatro países, sem que consigam o seu próprio Estado e tendo sofrido com uma pesada repressão por parte desses mesmos países, onde são pequenas minorias. Falam diversas línguas, incluindo o árabe, o curdo, o persa, o turco e línguas do grupo zaza-gorani. Mesmo internamente, dividem-se numa panóplia de religiões, sobretudo muçulmanas, com uma maioria de sunitas, e minorias de xiitas e de alevitas, além de uma série de minorias que incluem yazidismo, yarsanismo, zoroastrianismo e cristianismo. O Curdistão independente é um sonho perpetuamente adiado. Com um território dividido entre o Irão, a Turquia, o Iraque e a Síria, os curdos têm sofrido com uma férrea repressão aos seus desejos independentistas. Sendo um território interior e montanhoso, o Curdistão, possui depósitos minerais e de riquezas energéticas, sendo na generalidade um território menos árido do que o restante dos países em que se insere, com temperaturas mais amenas e terras férteis, com excepção da Turquia. Depois do fim do regime de Saddam Hussein, o Curdistão iraquiano ganhou em autonomia, sobretudo uma unidade, quando teve de enfrentar a ameaça do Estado Islâmico, que chegou a ocupar Mossul, muito próxima do Curdistão. Kirkuk, uma das principais cidades do Norte do Iraque, ficou sob controlo curdo entre 2014 e 2017, na sequência da contra-ofensiva peshmerga contra posições do Estado Islâmico. Este exército conta com centenas de milhares de homens em armas e com variado equipamento, algum fornecido por países ocidentais como os EUA, a Alemanha e a França, mas a maioria do equipamento foi capturado durante a Guerra do Golfo em 1991 e a Guerra do Iraque em 2003, bem como ao Estado Islâmico. Em 25 de Setembro de 2017, teve lugar um referendo sobre independência no Curdistão iraquiano, no qual a independência foi a opção escolhida por 92,73% dos votantes. Isto levou a uma intervenção militar do governo de Bagdad, que conseguiu retomar o controlo de Kirkuk, e das zonas circundantes e que levou o governo autónomo do Curdistão a aceitar uma anulação dos resultados do referendo.
No Irão, a situação dos curdos ainda é pior, apesar deste país contar com a segunda maior população curda, que pode chegar a doze milhões de pessoas. Não dispõem de autonomia e têm sofrido repressão contínua desde os tempos da monarquia, passando à república teocrática, sem conseguirem os seus objectivos e embarcando numa resistência armada com pouca capacidade e fracos resultados. Na Turquia, que conta com a maior população curda, a rondar os vinte milhões, os confrontos arrastam-se, desde o tempo otomano, sem que se consiga chegar a uma conclusão satisfatória e o conflito continua, com um conflito de baixa intensidade, baseado em guerrilhas contra o governo central de Ancara, nomeadamente através do Partido dos Trabalhadores do Curdistão. Após o fim da Primeira Guerra Mundial, a derrota do Império Otomano trouxe esperança aos curdos no seu território e o Tratado de Sèvres, de 1920, previa a criação de um Estado curdo, que, contudo, não incluiria todas as zonas de maioria curda. Foi um sonho de pouca dura. O Tratado de Lausanne de 1923, já não mencionava sequer qualquer Estado curdo, na divisão do Império Otomano. Durante os anos 20 e 30, os curdos levaram a cabo várias revoltas sem sucesso, tendo o Estado turco recorrido a medidas drásticas para conter as suas revoltas. Lei marcial e isolamento físico do Curdistão turco, bem como medidas contra a História e a língua curdas foram adoptadas por Ancara, mas o surgimento do Partido dos Trabalhadores do Curdistão no início dos anos 80, veio trazer o recrudescer do conflito e fez emergir de novo a questão da identidade e da independência curda.
O Curdistão sírio, também conhecido como Curdistão Ocidental ou Rojava, é uma zona no Norte e Nordeste da Síria, que contém a mais pequena comunidade de curdos. Também ali os curdos sofreram com acções destinadas a gorar as suas tentativas de independência e mesmo de autonomia. Em 1970, Hafez al-Hassad subiu ao poder e encetou políticas para fragmentar os territórios curdos, para expropriar terras detidas por curdos, implementar povoações árabes e arabizar aqueles habitantes da Síria. Por outro lado, devido a disputas com a Turquia, o regime de Damasco não hesitou em conceder abrigo aos guerrilheiros do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, com a condição destes não agirem no interior da Síria. A Turquia perderia a paciência nos anos de 1990, quando a Turquia exigiu a extradição do líder do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, Abdullah Öcalan, colocando forças militares na fronteira com a Síria. Öcalan foi exilado e acabaria por ser capturado mais tarde, em África, depois de tentar o asilo em diversos países europeus. Com a subida ao poder de Bashar al-Assad em 2000, a situação não mudou substancialmente. Em 2003, foi fundado o Partido da União Democrática, como uma filial síria do Partido dos Trabalhadores do Curdistão. O início da guerra civil síria, em 2011, veio mudar o panorama com uma miríade de grupos em conflito, incluindo lealistas do regime, grupos armados sunitas, incluindo a Al-Qaeda e o Estado Islâmico, oposição de tendência democrática, como o Exército Livre Sírio e as Forças Democráticas Sírias, que incluem muitos curdos, mas também árabes e minorias assírias, arménias, circassianas e yazidis. É um verdadeiro mosaico de facções armadas, sendo que os aliados e inimigos mudam com frequência, consoante o passar do tempo e as situações concretas. Bashar al-Assad viu-se numa situação muito complicada, com o Exército Sírio a sofrer com milhares de deserções e prisioneiros de guerra, e o seu controlo do país reduziu-se imenso, até à entrada em campo de alguns aliados de peso. O Irão e a Rússia apostaram forte no seu apoio ao regime sírio. A Rússia não queria abandonar mais um aliado no Médio Oriente e sabia que poderia beneficiar de bases no Mediterrâneo para os seus navios e aviões. O Irão estendia a sua influência do Golfo Pérsico ao Mediterrâneo, opunha-se aos grupos armados sunitas salafistas com apoio de Riade, e desejava manter uma base de retaguarda logística para as actividades do Hezbollah no Líbano. Forças de tipo miliciano, como as Forças de Defesa Nacional, surgiram, com o apoio do regime sírio e incorporando muitos alauitas, mas também sunitas e cristãos, mas igualmente as Shabiha, milícias não-oficiais, sobretudo recrutadas entre os alauitas e que há muito constituem uma força de arremesso do regime. O Hezbollah xiita também tem participado activamente em combates na Síria, ao lado do regime de Damasco, servindo o conflito como importante experiência de combate e para contacto com armamento pesado, que o Hezbollah não usa no Líbano. O Irão enviou também alguns milhares de homens para apoio em comando e controlo, logística, treino e algumas actividades de combate com tropas de operações especiais. Milícias xiitas estrangeiras, incorporando milhares de combatentes afegãos e paquistaneses também demonstram o seu apoio ao regime de Bashar al-Assad. A Rússia, com a intervenção de forças especiais e de unidades da sua aviação, conseguiu importantes ganhos para o regime, fazendo recuar bastante o Estado Islâmico e outras forças oposicionistas. As Forças Democráticas Sírias controlam cerca de 25% do território sírio, e estabeleceram no Norte e Nordeste da Síria a Administração Autónoma do Norte e Leste da Síria, também conhecida como Rojava. Isto levou a que a Turquia efectuasse várias operações militares no Norte da Síria, apoiando o Exército Livre Sírio e ocupando efectivamente extensas áreas do país.
Teerão, apesar das rivalidades teológicas com a Arábia Saudita, partilha as mesmas bases religiosas, mas não consegue perdoar o papel que Riade tem tido como aliada incondicional dos EUA naquela região, permitindo que os americanos tenham bases no país onde se encontram dois dos mais sagrados locais para os muçulmanos. Isto explica que o Irão esteja a conduzir duas guerras por procuração no Médio Oriente: a primeira contra Israel e a segunda contra a Arábia Saudita. O conflito israelo-palestiniano acaba muitas das vezes por confundir-se com o conflito por procuração israelo-iraniano, e nos últimos anos, Teerão tem expandido a sua influência do libanês Hezbollah, cada vez mais forte e bem equipado e treinado, actualmente já na posse de mísseis balísticos, para a criação de novas milícias pró-iranianas na Síria e no Iraque, mas também fora de área, a partir do Afeganistão e no Paquistão. Por outro lado, apoia movimentos armados sunitas na Palestina e os rebeldes houthis no Iémen, dando-lhes armas, treino e capacidade para produzirem armas e munições por si mesmos. O conflito por procuração entre a Arábia Saudita e o Irão é ainda mais extenso. A Arábia Saudita conta com o apoio de potências ocidentais, dos Estados do Golfo e apoia governos e movimentos anti-Teerão, quer nos países vizinhos, quer dentro do Irão, como os curdos ou minorias sunitas revoltosas. O Irão, além de contar com o apoio da Rússia e da China para algum do seu armamento mais avançado, conta com importantes apoios na Síria, no Iraque, no Líbano, na Palestina e no Iémen. Além disso, apoia movimentos xiitas em diversas regiões, como o Movimento Islâmico Nigeriano na Nigéria, milícias iraquianas, sírias e no Bahrein, bem como as milícias afegãs e paquistanesas que actuam na Síria. Em Março de 2023, numa manobra orquestrada pela diplomacia de Pequim, a Arábia Saudita e o Irão assinaram um acordo para a normalização das relações entre os dois países. Israel e os EUA tremeram face a esta notícia. Um Médio Oriente unido tem características para se assumir como mais um actor de peso na cena mundial, essencial para a emergência e solidificação de um mundo multipolar. Por seu lado, a China quer reforçar a sua capacidade e influência diplomática no Médio Oriente no mundo e garantir acordos com o Irão e a Arábia Saudita para manter o fluxo livre de gás natural e de petróleo do Médio Oriente para alimentar a sua economia.
Mais uma dor de cabeça para Washington e os seus aliados, que sentem o poder a fugir-lhes das mãos e mais uma oportunidade para a emergência do Mundo Multipolar.
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