O Circo Eleitoral Americano

Findas as eleições presidenciais americanas de 2024, tendo Trump saído como o grande vencedor, surge mais uma oportunidade para reflectir sobre o efeito das mesmas, não só sobre os próprios EUA, mas também a nível global.

Irei, em primeiro lugar, resumir a relação diplomática entre os EUA e Israel, que é um dos pilares mais importantes da política americana, servindo de base para uma compreensão mais profunda do seu modo de funcionamento. Posteriormente, tecerei as minhas opiniões relativamente às eleições presidenciais deste ano e aos seus dois principais candidatos, acabando com uma conclusão sobre o resultado.

1. América e Israel1

Antes de abordar especificamente as eleições norte-americanas, cumpre-me, nesta secção, expor o leitor à complexa relação diplomática entre os Estados Unidos e Israel. Para compreender as nuances da política dos EUA, é fundamental decifrar as razões pelas quais Israel emerge, de maneira recorrente e insistente, nos discursos e nas plataformas de todos os representantes políticos dos Estados Unidos.

A relação estreita entre os Estados Unidos e Israel é de uma natureza essencialmente parasitária. Israel reivindica e os Estados Unidos, prontamente, atendem. Israel exige e a potência americana, automaticamente, cede. Raras são as ocasiões em que os Estados Unidos assumem uma postura de firmeza e assertividade, contudo, quase sempre de modo ineficaz.

O apoio irrestrito de que Israel desfruta serve-lhe como luz verde para perpetrar impunemente as mais variadas atrocidades, ao passo que, desde a sua formação, consolidou-se como o maior receptor de assistência externa americana, acumulando mais de 300 mil milhões de dólares. Do total, aproximadamente 80 mil milhões foram canalizados para impulsionar a sua economia, enquanto 230 mil milhões destinaram-se a gastos militares. Esse apoio inclui uma linha de auxílio anual, de 2019 até 2028, de cerca de 3,8 mil milhões de dólares, oferecida a fundo perdido. Israel não apenas se destaca como o principal beneficiário desse apoio financeiro, mas também usufrui de privilégios exclusivos, que incluem a liberdade de alocar parte dos recursos para financiar empresas nacionais ligadas à defesa, bem como à pesquisa e produção de sistemas antimísseis, em estreita colaboração com o complexo industrial-militar americano. Além disso, possui acesso prioritário a armamento de tecnologia avançada e a possibilidade de cometer inúmeras violações dos direitos humanos, sem que tais resultem em qualquer restrição sobre os auxílios recebidos.2 Ademais, uma legislação específica dos EUA estipula que o país deve assegurar a supremacia militar de Israel perante qualquer ameaça, seja ela oriunda de entidades estatais, não estatais ou coligações entre estados, impondo restrições rigorosas à venda de armamentos a outras nações do Médio Oriente que possam representar uma ameaça para o Estado israelita.3 Os EUA são igualmente fulcrais no bloqueio sistemático de resoluções da ONU contrárias aos interesses de Israel,4 bem como em esforços para intimidar e sancionar o Tribunal Penal Internacional (TPI) e os seus juízes, sempre que uma investigação ameaça examinar acções ligadas ao seu tão estimado aliado.5

Para além do carácter parasitário desta relação, Israel vai ainda mais longe, conduzindo operações que subvertem, de modo incisivo, os interesses americanos: actividades de espionagem,6 o furto de tecnologia e material nuclear, 7atentados terroristas direccionados a alvos americanos, britânicos e egípcios, 8ataques contra militares dos Estados Unidos9 e a constante provocação de crises humanitárias, cujo impacto incentiva o terrorismo e o desencadear de êxodos em massa de refugiados para os países ocidentais, sobrecarregando as suas estruturas sociais e humanitárias.

O total desequilíbrio desta aliança diplomática é mantido por meio de uma persistente orientação ideológica que induz a população americana a um filossemitismo crescente e ao apoio absoluto a Israel, num verdadeiro estado terapêutico,10 de controlo psicossocial destinado a extirpar qualquer indício de alegado anti-semitismo. Qualquer expressão de comportamento anti-Israel é severamente condenada, e resulta em consequências significativas para aqueles que ousam manifestar tais opiniões. Grupos vinculados ao lobby israelita e organizações não governamentais americanas – muitas delas de carácter explicitamente judaico – dedicam-se a financiar campanhas difamatórias contra indivíduos que expressam posicionamentos antissionistas, anti-semitas, ou até moderadas críticas às políticas israelitas, mostrando que qualquer político que ouse manifestar essas opiniões corre o risco de ver a sua carreira destruída,11 ostracizando e eliminando, assim, qualquer tipo de oposição.12

2. Eleições Americanas

As eleições americanas não são só de extrema importância para os próprios cidadãos dos Estados Unidos, mas também para toda a comunidade global, uma vez que ocorrem na actual potência hegemónica em termos económicos, militares e culturais. Uma nova presidência pode inaugurar não apenas mudanças nas políticas internas, mas também redefinir a abordagem americana referente à geopolítica, intervenções externas e relações diplomáticas. Todavia, há muito que o processo eleitoral americano se degenerou num espectáculo de culto à personalidade, um autêntico teatro onde o foco se desloca para o ataque visceral aos candidatos, em vez de se questionar as instituições e princípios. O discurso político tornou-se uma maquinaria destinada a despertar reacções primárias de medo e ódio, cegando os eleitores aos factos e arrastando-os para o drama. Tudo isto resume-se a um arsenal de truques eleitorais, apenas viáveis porque a percepção pública, hoje em dia, prevalece sobre o conteúdo: um mero soundbite é capaz de manipular as massas e provocar a divisão entre os próprios cidadãos. Este espectáculo, com os seus actores políticos, visa manter os espectadores distraídos, fixos no que é actual, incapazes de contemplar o passado ou projectar o futuro, prisioneiros de uma mentalidade de curtíssimo prazo, que lhes obscurece tanto a memória como a visão. Enquanto este supérfluo teatro entretém as massas, as forças do lobbying e do capital escolhem os candidatos ideais a dedo, com o lobby sionista – composto por numerosos grupos de judeus e de cristãos protestantes – posicionando-se no epicentro dessas decisões. No cenário político americano, proliferam comités de acção política (PAC) que se posicionam abertamente como defensores de Israel, como o AIPAC (American Israel Public Affairs Committee) e o Christians United for Israel, ambos pilares do lobby israelita, que financiam considerável parte dos actuais membros do Congresso dos Estados Unidos, atravessando as fileiras dos dois grandes partidos.13 Para ilustrar a magnitude deste apoio financeiro, vale mencionar que o AIPAC já excedeu 100 mil milhões de dólares em investimentos gerais direccionados à já acabada corrida presidencial de 2024.14 Como referido na secção anterior, os políticos americanos devem caminhar sobre uma ténue linha, cautelosamente medindo cada gesto e palavra, a fim de assegurar a continuidade do financiamento de grupos sionistas, pois qualquer deslize ou suspeita de postura anti-Israel pode selar o destino da sua carreira, fechando-lhes abruptamente as torneiras do patrocínio.

Esta realidade torna-se cada vez mais patente, sobretudo desde o recrudescimento do conflito no Médio Oriente, quando o apoio a Israel passou a adquirir um tom exponencialmente mais impetuoso, impondo-se como um dos temas centrais discutidos por qualquer político americano. Este fenómeno resulta em cenas caricatas nos debates presidenciais, onde se debate sobre qual candidato estará mais disposto a conceder favores a Israel. Nos comícios, o cenário não é menos teatral, com acusações frequentes de antissemitismo lançadas ao opositor, ou insinuações de que o lado adversário apoia forças hostis a Israel, como o Hamas ou o Irão, pintando um quadro apocalíptico em que tal apoio teria impactos negativos no destino do mundo. É dispensável afirmar que nenhum candidato, evidentemente, é anti-semita: de um lado, encontra-se um filossemita com judeus entre os seus próprios familiares, de outro, uma candidata igualmente filossemita, casada com um judeu e com enteados judeus. Ambos simbolizam a autêntica sandes kosher: quaisquer que sejam as divergências sobre políticas domésticas, o compromisso inabalável para com o Estado de Israel é o verdadeiro elemento de coesão da classe política americana.

Se, ao longo das sucessivas presidências americanas, a única constante melhoria observada foi a do Estado de Israel, resta concluir que as eleições americanas apenas se destinam a eleger aquele que mais benefícios concederá a essa nação estrangeira, e não ao próprio povo dos Estados Unidos. Surge, assim, uma questão fundamental: afinal, que vantagens colhem os americanos com este infindável apoio a Israel? Não seria mais prudente escolher um líder que, sem subterfúgios, se posicionasse em defesa dos interesses internos, talvez até adoptando uma postura anti-Israel, ou mesmo pró-Palestina, canalizando os vastos recursos para amparar a própria população americana?

3. Donald Trump

Se há, no panorama político dos Estados Unidos, uma figura capaz de mobilizar multidões, essa figura é Donald Trump. Desde o lançamento da sua candidatura às eleições presidenciais de 2016, ele utilizou uma retórica intensamente anti-imigração, atraindo, com suas políticas e discursos polarizadores, uma grande quantidade de seguidores, não apenas entre o seu eleitorado, mas também entre políticos de outras nações, transformando, assim, o tabuleiro político americano e europeu. A influência de Trump atravessou o mar Atlântico, estimulando o crescimento de discursos análogos em várias nações sob a esfera de influência dos EUA. Trump fez parte de uma onda que trouxe ao debate público questões importantes, como a imigração e a deportação de imigrantes ilegais, bem como um raro sentimento de oposição a guerras e intervenções militares. Tais temas tornaram-se centrais nas suas campanhas presidenciais, sendo promessas para, finalmente, haver mudança e acção. Contudo, ao olhar para o período em que foi presidente, pergunta-se: o que, de facto, mudou relativamente a estes temas?

Embora o fluxo de imigrantes para os EUA tenha conhecido um ligeiro declínio entre 2016 e 2020 em relação à presidência anterior, a imigração ilegal prosseguiu com um crescimento gradual, até que a pandemia da COVID-19 impôs uma nova retracção. As taxas de deportação, por sua vez, revelaram-se surpreendentemente inferiores às promessas de um líder que tanto bradava contra a presença de imigrantes ilegais, a ponto de a actual administração, sob Joe Biden, ter demonstrado maior eficácia em tais acções.15 E quanto ao tão propalado muro na fronteira sul? O pouco que foi erguido mais lembra uma cerca elevada, de eficácia duvidosa. E quanto à promessa de que o México arcaria com a totalidade dos custos? Nada se concretizou – nem um cêntimo!16

As suas posições declaradamente anti-intervencionistas cativaram um vasto eleitorado, que, contudo, não tardou a sentir-se traído pelas promessas vazias. Em Abril de 2017, Trump autorizou um ataque aéreo contra a Síria, em resposta a um ataque químico alegadamente perpetrado pelo seu presidente, Bashar Al-Assad, intensificando as já inflamadas tensões no Médio Oriente. E, embora reiteradas vezes prometesse o retorno das tropas americanas, a realidade desmentiu as suas palavras: em algumas regiões, os números de militares não apenas permaneceram, como foram ampliados.17 A tentativa de retirar as forças americanas da Síria ilustra bem o fracasso destas promessas, visto que, em 2021, cerca de 900 soldados americanos ainda lá permaneciam, desafiando o tão apregoado desejo de “trazer os nossos heróis de volta”. Quando surgia a rara oportunidade de se afastar de um conflito, tal chance era logo descartada.18 Quando poderia ter adoptado uma postura de contenção, não fomentando crises geopolíticas, escolheu, ao contrário, ordenar o assassinato do general iraniano Qassem Soleimani e tornar-se o primeiro presidente dos EUA a fornecer armamento americano à Ucrânia.19 E, paradoxalmente, nada melhor para um candidato anti-guerra do que cercar-se de figuras belicosas do neoconservadorismo, como John Bolton, Mike Pompeo e Lindsey Graham, que trouxeram à sua administração uma sede insaciável por novos confrontos, ao mesmo tempo que escolheu um candidato à vice-presidência que apoia uma contínua agressividade para com o Irão.20

Grupos vinculados ao lobby israelita e organizações não governamentais americanas – muitas delas de carácter explicitamente judaico – dedicam-se a financiar campanhas difamatórias contra indivíduos que expressam posicionamentos antissionistas, anti-semitas, ou até moderadas críticas às políticas israelitas, mostrando que qualquer político que ouse manifestar essas opiniões corre o risco de ver a sua carreira destruída, ostracizando e eliminando, assim, qualquer tipo de oposição.

Afinal, a quem serviu esta presidência? A Israel, indubitavelmente. Com razão, muitos o designam como o presidente mais sionista da história americana. Cada medida tomada convergiu, apenas, para o fortalecimento de Israel: o reconhecimento formal dos Montes Golã como território israelita; o estímulo à anexação ilegal de porções da Cisjordânia; a normalização diplomática entre Israel e alguns países do Médio Oriente através do suborno, acentuando o antagonismo para com o Irão; e a continuidade de um robusto investimento militar anual que se traduz em milhares de milhões de dólares. A transferência da embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém, bem como o reconhecimento desta cidade como a capital de Israel, consolidaram, para muitos, o favorecimento absoluto à causa sionista. Não surpreende que Benjamin Netanyahu tenha louvado Trump como “o melhor amigo que Israel já teve na Casa Branca”.21 A raison d’être de Trump é promover os interesses de Israel, e assim o continuará a fazer. As suas declarações são abundantes e explícitas: promete ser o melhor amigo de Israel22 e assegurou que, se não vencesse, Israel enfrentaria riscos existenciais.23 Tais palavras evidenciam uma submissão total às pressões do lobby israelita, intensificada após os ataques de 7 de Outubro de 2023 por parte do Hamas, que conferiram a Trump uma oportunidade adicional para reiterar o seu inabalável compromisso com o Estado de Israel e com os seus aliados conservadores nos Estados Unidos.24

Estas eleições apenas vieram reforçar a percepção de que Donald Trump é, na sua essência, um vigarista sionista. O seu famoso lema “Make America Great Again” revelou-se, há muito tempo, uma fachada que oculta o verdadeiro mote da sua campanha: “Make Israel Great Again”. O movimento MAGA é, no seu âmago, um movimento multirracial, liberal e judaico, sendo suportado por um enormíssimo conjunto de indivíduos, famílias25 e grupos sionistas. E os seus apoiantes, acusados de um pró-americanismo patológico, apoiam com entusiasmo uma política que, no final de contas, apenas os prejudica. No entanto, dada a natureza implacável da política americana, tais eleitores parecem contentar-se com promessas repletas de eco e vazias de substância, tão repetidas quanto não cumpridas. As mesmas promessas proferidas em 2016, agora recicladas para 2024, mantêm o ilusório compromisso de resolver crises que fogem ao seu alcance: o fim da guerra na Ucrânia e o cessar dos conflitos no Médio Oriente.

A campanha de Trump há muito que abandonou o eleitorado que o sustentou em 2016, predominantemente composto por indivíduos de ascendência europeia. Agora, a sua atenção está inteiramente voltada para outros segmentos, formando grupos como Latinos for Trump, Black Voices for Trump e, naturalmente, Jewish Voices for Trump,26 descartando, por completo, aqueles que mais interesse têm em ver a sua situação demográfica resolvida. Há, inclusive, o grupo Gays For Trump,27 evidenciando que o partido que se autodenomina conservador não passa de uma mera réplica, ainda que desfasada cerca de dez anos, do partido opositor. Aliás, o respeito para com o seu eleitorado é tão baixo, que não vê qualquer problema em envolvê-lo em básicas fraudes que envolvem criptomoedas e NFT.28 Ainda assim, os seus bacocos seguidores permanecem cegamente fiéis, presos numa rede de ignorância complacente que lhe permite sanar os danos dos seus recorrentes escândalos com recurso a piadas triviais, uma aparente proximidade com o “homem comum” em oportunos photo ops29 e teorias da conspiração simplistas e acessíveis, que servem como combustível para manter o típico republicano na plantação do GOP, enquanto continua a bradar “Trust the Plan!” ao invés de avançar em direcção a políticas que poderiam, de facto, servir os interesses do homem europeu. Agora, em 2024, tal como em 2020, os seus seguidores permanecem presos a 2016, numa espécie de ciclo eterno, como se Trump jamais tivesse ocupado a presidência dos EUA. Vivem na expectativa de que as promessas repetidas a cada quatro anos finalmente se concretizem, alimentando a convicção de que, apenas com a sua vitória, o grande “imperador” Trump poderá “salvar” a nação.

E muitos ainda desculpam a sua incompetência para com o seu país, alegando que uma conspiração grandiosa teria minado a sua administração e impedido o cumprimento das promessas feitas ao povo. A ser verdade, por que é que desta vez iria ser diferente? A ser mentira, apenas reforça o que já se destacou desde o início desta secção, evidenciando o quão fiel servo Trump se revela, um verdadeiro shabbos goy,30 lutando contra o sistema, fazendo tudo o que sistema quer.

4. Kamala Harris

Kamala Harris, ao contrário de Donald Trump, não possui um histórico de ocupar cargos que a submetam, por um longo período, à árdua tarefa de tomada de decisões, como normalmente é a obrigação de um presidente. Por isso, torna-se impossível avaliar com precisão a veracidade das suas promessas. Naturalmente, o cumprimento dessas promessas dependerá de estarem alinhadas com os interesses do sistema ou em oposição a ele, mas, como é evidente – tratando-se do Partido Democrata – não há sequer a simulação de um posicionamento, ainda que ilusório, de antagonismo ao sistema vigente.

Contudo, ao ter exercido a vice-presidência dos EUA entre 2020 e 2024, não seria surpreendente que Kamala Harris optasse por trilhar o mesmo caminho de Joe Biden. E, sem dúvidas, foram quatro anos de uma condução desastrosa, não só para o povo americano, mas também para o povo europeu. O avanço do comboio liberal prosseguiu impetuosamente, enquanto a administração deu início a um financiamento desenfreado para sustentar uma interferência no conflito russo-ucraniano, arrastando praticamente todas as nações europeias e gerando uma despesa monumental de centenas de milhares de milhões de dólares, tudo em prol de prolongar um conflito que interessa, claramente, aos suspeitos do costume: neoconservadores fervorosos como William Kristol, Victoria Nuland, Kimberly Kagan, entre outros com ligações ao Institute for the Study of War, que, coincidentemente, são igualmente sionistas. E como se a crise no Leste Europeu não bastasse, o financiamento bélico intensificou-se com o recente conflito na Faixa de Gaza, onde os partidos Democrata e Republicano convergiram na sua missão única e indissolúvel: salvaguardar a existência do ilegítimo Estado terrorista de Israel. Rios intermináveis de recursos jorram para estas campanhas intervencionistas e para a protecção do seu principal aliado. E o que resta para os próprios americanos? Temos o exemplo do recente desastre natural, o furacão Helene, durante o qual a Agência Federal de Gestão de Emergências (FEMA) alegou falta de recursos monetários. Seja este um reflexo directo dos fundos desviados para guerras ou não, a verdade é que os recursos estão a ser desviados de forma flagrantemente indevida, enquanto incontáveis cidadãos americanos aguardam, desamparados, a ajuda que tanto necessitam.

Esta administração, por vezes, demonstra uma falsa moderação diante do evidente genocídio levado a cabo por Israel na Faixa de Gaza. Contudo, tais atrocidades não se revelaram suficientes para que os EUA interrompessem o incessante fluxo de financiamento e fornecimento de armamento. Sob a eventual liderança de Kamala, que sabemos que já não se concretizará, estas acções persistiriam, até porque os seus financiadores jamais permitiriam o contrário, perpetuando assim a cumplicidade frente a uma guerra no qual apenas uma das partes verdadeiramente sofre, enquanto a outra evoca as sombras do passado para justificar, indefinidamente, os actos presentes.

Poder-se-ia prolongar a crítica a esta candidata, mas a realidade é que esta mostra-se uma personagem repetitiva num palco já desgastado, representando a continuidade de uma linha política já há muito desgastada. Apesar de Trump representar sensivelmente o mesmo, este sempre consegue mover em massa os seus simplórios seguidores, enquanto Kamala é apenas mais uma genérica peça substituível nas engrenagens rotineiras da maquinaria partidária liberal dos Estados Unidos, com as constantes incidências nos tópicos do progresso e da diversidade, tópicos estes que mantêm o país na órbita do mesmo projecto ideológico, reduzindo-se à realização dos interesses daqueles que moldam e dominam a arena política americana.

5. Conclusão

As eleições nos Estados Unidos constituem o exemplo do clássico panem et circenses, um espectáculo destinado a entreter e distrair, mascarando a ausência de substância na escolha. Trata-se de um ritual artificial numa nação artificial, onde o acto de eleger um candidato tornou-se análogo ao fervoroso apoio a uma equipa de futebol. Esta intensa devoção carrega em si uma amarga verdade: é um gesto que, no final de contas, não tem qualquer impacto significativo na vida de um povo.

Os Estados Unidos esgotaram, há muito, a capacidade de engendrar algo verdadeiramente construtivo na sua casta política, tornando remota a chance de um voto que suscite uma genuína transformação. O acto de votar, outrora símbolo do poder democrático, converteu-se num gesto desprovido de qualquer efeito positivo, tornando-se numa mera formalidade, cujo resultado revela-se invariavelmente vápido. Em solo americano, o sufrágio é hoje uma óbvia subjugação a um sistema no qual as escolhas não têm relevância e a probabilidade de um voto informado é nula. A sociedade americana encontra-se, pois, enredada num perpétuo falso dilema entre duas alternativas profundamente insatisfatórias, apesar da existência de outras opções. Muitos se resignam a optar pelo “mal menor”, o que não deixa de ser votar, efectivamente, num mal, sendo isto uma clara prova da decadência do sistema político americano. Assim, o voto, ao fim e ao cabo, é uma total validação das promessas do candidato e do seu modus operandi na esfera política.

Qualquer um dos candidatos é um agente catalisador de um liberalismo exacerbado, impulsionando, com intensidade, a disseminação dessa ideologia para além-fronteiras. Ambos significam um aumento no investimento em Israel e uma aposta continuada numa geopolítica de carácter intervencionista, que subjuga e desestabiliza povos insubmissos à sua órbita de influência. Supor que haja qualquer inclinação para se desistir dos conflitos bélicos vigentes seria uma ingenuidade colossal, pois não subsiste qualquer incentivo que torne tal desfecho minimamente plausível.

É inegável que a Europa, há décadas, encontra-se sob uma ocupação americana que, ao longo dos anos, foi-se enraizando de tal modo que estamos agora em completa dependência de uma potência situada no outro lado do Atlântico. Tal subjugação obriga-nos a apoiar e a seguir as estratégias geopolíticas dos Estados Unidos, conduzindo-nos, inexoravelmente, a um percurso de autodestruição. Assim como Israel age como um parasita que desgasta os Estados Unidos, também os Estados Unidos minam o vigor europeu, agindo de forma corrosiva e parasitária. Cabe às nações europeias romper de modo definitivo o cordão umbilical que nos ata aos EUA e, por extensão, a Israel. Quanto mais hesitamos em destruir esta ocupação imposta, mais distante se torna a possibilidade de realizar tal libertação de modo confortável e seguro. Chegou a hora de avançar para uma via multipolar no mundo das relações internacionais, reconfigurando a Europa como um centro de poder autónomo e soberano, dotado de capacidade económica, militar e cultural, longe das injunções do sionismo, do liberalismo, do capitalismo predatório e do terrorismo imposto a outros povos em nome do domínio hegemónico.

Trump venceu as eleições. As guerras ao redor do globo cessarão? Iniciar-se-ão, finalmente, as prometidas deportações em massa? A guerra cultural encontrou seu desfecho? O liberalismo terá, por fim, cedido terreno? A Europa reencontrará os dias de paz? Vai o pântano finalmente ser drenado? Vai Trump perdoar as pessoas que estão encarceradas devido aos eventos de 6 de Janeiro, algo que já poderia ter feito em 2021? Muito provavelmente, não. Tais esperanças não passam de miragens criadas pelo vácuo intelectual dos seus apoiantes. Crer nestas promessas em 2016 era, talvez, justificável. Aderir às mesmas em 2024 revela pura ingenuidade: as tropas não regressaram, o tão alardeado muro não se ergueu como prometido, os conflitos bélicos persistiram, Israel continuou a ser financiado, e a liberdade de expressão nas redes sociais prosseguiu em evidente declínio. E o fascismo, entrou na política americana? É isto a ascensão de uma extrema-direita ultra-radical? Está no horizonte um genocídio iminente das minorias às mãos dos descendentes de europeus? Não. Tais ideias reflectem meros pavores de um colectivo alarmista, sem qualquer profundidade analítica. Tudo isto apenas revela o estado de alienação colectiva que assola a população americana, incapaz de romper com o paradigma em que foi moldada desde sempre, mesmo quando a realidade é mais do que nítida. Por outro lado, é compreensível que o eleitorado de Trump deseje saborear as lamentações dos seus adversários derrotados; no entanto, este prazer é transitório e nada altera quanto ao futuro a médio e longo prazo.

Agora só resta observar a formação de um gabinete presidencial repleto de sionistas que usam o kippah e uma ida, ou várias, ao Muro das Lamentações. Quem, afinal, foi o verdadeiro vencedor destas tão aguardadas eleições norte-americanas?

Nem Kamala, nem Trump, mas sim, Israel!


  1. Romeu Vieira. Grande Substituição e o Unipolarismo Americano-Sionista. 2024. ↩︎
  2. About the Leahy Law. U.S. Department of State. Jan. de 2021. ↩︎
  3. Naval Vessel Transfer Authority. United States Congress. Out. de 2008; Jonathan Masters et al. U.S. Aid to Israel in Four Charts. Council on Foreign Relations. Mai. de 2024. ↩︎
  4. Creede Newton. A history of the US blocking UN resolutions against Israel. Al Jazeera. Mai. de 2021. ↩︎
  5. Rachel Looker. US House passes legislation to sanction ICC over Gaza warrants bid. BBC. jun. de 2024; Antony Blinken. The United States Opposes the ICC Investigation into the Palestinian Situation. U.S. Department of State. Mar. de 2021. ↩︎
  6. Duncan L. Clarke. «Israel’s Economic Espionage in the United States». Em: Journal of Palestine Studies 27.4 (1998), pp. 20–35. ↩︎
  7. Victor Gilinsky et al. Did Israel steal bomb-grade uranium from the United States? Bulletin of the Atomic Scientists. Mai. de 2021. ↩︎
  8. Leonard Weiss. «The Lavon Affair: How a false-flag operation led to war and the Israeli bomb». Em: Bulletin of the Atomic Scientists 69.4 (2013), pp. 58–68. ↩︎
  9. Ray McGovern. Leaving the USS Liberty Crew Behind. AntiWar.com. Jun. de 2014. ↩︎
  10. Thomas Szasz. «The Therapeutic State». Em: Buffalo: Prometheus Books (1984). ↩︎
  11. Marc Rod. AIPAC super PAC set to run TV ads blasting Thomas Massie’s Israel record. Jewish Insider. Mai. 2024. ↩︎
  12. ADL Calls for Immediate Action By Universities
    to Ensure A Safe Conclusion to the Semester.
    Anti–Defamation League of B’nai B’rith. Abr. de 2024. ↩︎
  13. Open Secrets: Following The Money in Politics. Open
    Secrets. URL: https://www.opensecrets.org/ (acedido
    em 22/08/2024)- ↩︎
  14. Donald Shaw et al. AIPAC Officially Surpasses $100 Million in Spending on 2024 Elections. Sludge. Ago. de 2024. ↩︎
  15. David J. Bier. New Data Show Migrants Were More Likely to Be Released by Trump Than Biden. Cato Institute. Nov. de 2023. ↩︎
  16. Christopher Giles. Trump’s wall: How much has been
    built during his term?
    BBC. jan. de 2021. ↩︎
  17. Michael Crowley. Trump’s Campaign Talk of Troop
    Withdrawals Doesn’t Match Military Reality.
    The New
    York Times. Out. de 2020. ↩︎
  18. Mark Landler et al. Trump Vetoes Measure to Force
    End to U.S. Involvement in Yemen War.
    The New York
    Times. Abr. de 2019. ↩︎
  19. Aila Slisco. Trump Praised for First US Weapons Sale
    to Ukraine.
    Newsweek. Jan. de 2024. ↩︎
  20. Matthew Kassel. Vance on Iran: ‘If you’re going to
    punch the Iranians, you punch them hard’.
    Jewish Insider. Jul. de 2024. ↩︎
  21. Ruth Margalist. Trump’s Legacy in Israel. The New
    Yorker. Jan. de 2021; Eytan Gilboa. Trump: The most
    pro-Israel president in American history.
    Clingendael
    Spectator. Jul. de 2020. ↩︎
  22. Trump vows to be ’best friend’ to Jewish Americans,
    as allegations of ally’s antisemitism surface.
    Le Monde.
    Set. de 2024 ↩︎
  23. Jacob Magid. Vote for me or Israel will be annihilated,
    Trump says in pitch to Republican Jews.
    The Times of
    Israel. Set. de 2024. ↩︎
  24. Shmuley Boteach. The apotheosis of Donald Trump.
    The Jewish Standard. Set. de 2024. ↩︎
  25. Asaf Elia-Shalev. Miriam Adelson gives $100 million
    to Trump campaign, making good on reported pledge. The
    Times of Israel. Out. de 2024. ↩︎
  26. Jonathan Harounoff. New Jewish Voices for Trump
    group targets leftist “radical antisemitism”.
    The Jewish
    Chronicle. Ago. de 2024. ↩︎
  27. Gays For Trump. URL: https://gaysfortrump.org/. ↩︎
  28. MacKenzie Sigalos et al. The latest hiccup in Trump’s
    crypto launch: Deleted posts and a hacking claim.
    NBC
    News. Set. de 2024; Mary Roeloffs. Trump Selling More
    NFT Trading Cards — As He Courts Crypto Voters.
    For
    bes. Ago. de 2024. ↩︎
  29. Arwa Mahdawi. McDonald Trump had a shift serving
    fries. Will the stunt supersize his base?
    The Guardian.
    Out. de 2024 ↩︎
  30. Trump tells Jewish donors they would be ‘abandoned’
    if Harris is elected.
    The Guardian. Set. de 2024. ↩︎

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