Dinâmica pendular da história moderna

É possível, e de certo modo esclarecedor, encontrar analogia entre o postulado da física relativo à dinâmica pendular e os fenómenos sociais que têm animado a história ocidental dos últimos séculos. Segundo Newton, toda a acção provoca uma reacção em sentido contrário; em correlação, quando numa sociedade os valores da ordem atingem os limites da sustentabilidade desencadeia-se uma reacção que faz emergir os valores da liberdade. Do mesmo modo, acontece que estes, ao atingirem o excesso da sua normal amplitude, convocam uma reacção que consagra os valores da ordem.

Certos conceitos ideológicos e políticos, que pretendem a conciliação e a convivência simultânea destes dois princípios: ordem e liberdade, parecem esquecer que tal equilíbrio desafia o carácter dinâmico da realidade. O dinamismo social desenvolve-se a partir da oposição entre estes princípios, e a harmonização de ambos num caldo híbrido corresponderia a tornar estático o que, por natureza, deve ser dinâmico. Tal, faria cessar o movimento pendular de que aqui se fala e que, em todas as suas formas de manifestação, mantém a vida dos povos. Em sentido dialéctico, as sínteses resultantes da oposição entre teses e antíteses acabam por se tornarem, elas próprias, teses, suscitando novas antíteses.

O impulso progressista parece ter entrado em perda, o que é normal, dado que todo o impulso tem um limite de amplitude e duração que lhe é próprio. A fase descendente do impulso sociológico progressista, como acontece no tempo presente, parece conduzir à pulverização da consciência face à realidade, produzindo uma fragmentação conceptual sem paralelo histórico.

A actual multiplicidade das convicções e a complexidade babélica dos conceitos, associadas à valorização excessiva da diversidade, convoca a necessidade urgente de uma simplificação que torne a percepção humana coerente com a realidade e assente num dispositivo conceptual generalizado. A luta de classes ou de ideias, no seio de uma sociedade, desarticula os aspectos estruturais e corrói a coesão indispensável à vida saudável de um povo.

O conservadorismo enquanto valor estático

Entre as muitas particularidades conceptuais que dificultam a unidade política da direita uma existe que, sendo programaticamente nula, é determinante para o enfraquecimento dessa unidade. E é-o sobretudo porque induz à ideia de que direita significa retrocesso, sentido particularmente antipático às gerações mais novas, ou seja, às gerações a quem cabe, na presente circunstância, executar as mudanças conducentes à substituição do ideário progressista.

É indispensável não confundir a utopia militante e obsessiva do progressismo ideológico da esquerda com as normais modificações e movimentos de vanguarda que se vão verificando numa sociedade dinâmica. A ideia de que o progressismo se combate com conservadorismo assemelha-se às falsas terapias que agravam a doença e impedem a cura. Seja por imperativo de mobilização ou de prática política é sempre mais adequado e aliciante o convite ao avanço que ao recuo, sobretudo entre a juventude, cujo sinal distintivo está no futuro e não no passado1.

A reacção anti-conservadora que levou a esquerda ao poder é já pressentida como passado pelas franjas mais conscientes de uma geração nova, cansada de retóricas deliquescentes e utópicas. Ao considerar-se a esquerda como passado, como coisa antiga, que dizer do conservadorismo, por ela derrotado, que lhe é muito anterior, ou seja, muito mais antigo?

A tentativa de recuperar o status quo do que ficou pelo caminho, na crónica da experiência humana, constitui apenas um exercício de saudosismo. O regresso ao passado é uma impossibilidade, tanto na temporalidade como na emergência histórica e o saudosismo constitui uma debilidade que em nada poderá contribuir para a “saudade do futuro”, arma emblemática do provir. O contributo do passado dá-se por sedimentação e nunca por reafirmação.

Pensamento dinâmico e acção em conformidade

A intervenção para uma nova ordem, que reverta a longa experiência progressista, não consiste em forçar o regresso ao status quo anterior ao estabelecimento do poder da esquerda dado que os dispositivos sociológicos foram profundamente alterados e não poderiam ser reanimados num registo há muito perdido.

O revivalismo de antigos paradigmas acaba invariavelmente por produzir aberrações, como é exemplo um particular sentido de humanismo que, tentando reproduzir o ideal clássico, conduziu à versão titânica do Homem2, usurpando a Deus o lugar central de toda a realidade.

À direita de hoje compete conceber e implementar o movimento diametral que substitua a esquerda na condução das sociedades; mas para tanto terá que substituir todas as instituições que constituem o suporte político, jurídico e moral do progressismo. Não se trata de uma renovação nem de uma remodelação das estruturas existentes, mas da rotura total e completa com essas estruturas institucionais, baseadas em utopias, substituindo-as por outras que devolvam à polis a relação harmónica com a realidade.

Opiniões mais timoratas consideram que o poder ideológico e social do progressismo é hoje avassalador não havendo espaço político para implementar uma reacção que lhe seja lesiva e consequente em termos de oposição. Semelhante parecer peca principalmente por duas razões: os tempos são agora vertiginosos e as mudanças sucedem de modo inesperado; além disso, as contradições implícitas na prática progressista vão desgastando de modo paulatino a credibilidade de uma esquerda incapaz de se autocriticar e rectificar a si própria. No entanto, não é de esperar que a frente internacional progressista ceda, sem luta, perante o ataque de uma direita coerente e bem organizada; pelo contrário será mesmo de antever que a esquerda venha a usar de todos os meios, mesmo os menos democráticos, para resistir e preservar o seu modelo social, branqueando as suas acções menos democraticamente ortodoxas com a justificação de se bater pela liberdade.

Naturalmente, tal modificação não será obra de apenas uma geração. Afigura-se inútil qualquer mudança de regime, mais ou menos rápida, que não se apoie numa mudança geral de mentalidades, através de uma operação mais lenta e complexa.

Em todo o caso, convém não entender a crítica à atitude conservadora como uma concessão ideológica ao progressismo. Tal crítica não anula o facto de, no conservadorismo, existir uma série de princípios que são estruturais em termos de civilização ocidental; o problema está em que esses princípios carecem de aplicação social dinâmica em substituição da forma estática que subsiste no habitual ideário conservador.

Aliás, a insistência em atribuir às novas gerações o papel de vanguarda, na acção rectificadora que a emergência sociológica reclama, não afasta a participação, na rectaguarda, de todas as gerações vivas, inclusive as mais velhas e conservadoras. O génio juvenil está na acção enquanto o génio maduro está no pensamento.

No instante em que se alcance a harmonia entre pensamento dinâmico e acção em conformidade ter-se-á reanimado o poder da direita e inaugurado a grande transformação que as sociedades modernas exigem. E esse pensamento dinâmico, que será obrigatoriamente construtor de uma noção inédita e superlativa de realidade, necessita de um conjunto de formulações, filosóficas, éticas, estéticas, ideológicas e políticas que concebam uma nova cultura e que, à sua luz, estruturem as sociedades futuras. Sem esse concurso do pensamento toda a acção não passará de mais um subsídio à confusão generalizada que ocorre em toda a parte, preludiando o tempo escatológico de uma civilização que finda.


  1. Tal futuro não se compagina com a noção progressista de devir. Trata-se, sim, de afirmar um futuro para além da cronologia, coerente com a realidade que, na sua essência, é intemporal e fundada em valores perenes. ↩︎
  2. Cf. Carlos Dugos (20 de Janeiro de 2024), «Via heróica e via titânica», HOSTIL, em https://hostil.pt/via-heroica-e-via-titanica/. ↩︎
 Save as PDF

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *